Famintos de quê?

Fala-se muito — e com razão — da fome material de que muitos padecem por razões as mais diversas: injustiças, imprevidências, vícios, preguiça etc.

O que diríamos, porém, de um faminto que tivesse à sua disposição os melhores e mais substanciosos alimentos e continuasse faminto por não os querer comer?

Essa hipótese quase inimaginável, entretanto, infelizmente, ocorre. E com a fome mais angustiante a propósito do mais substancioso alimento: aquele que nos dá a vida eterna.

Quantos se esfalfam para legitimamente garantir o alimento para o corpo mortal que, como a flor do Evangelho, “hoje existe, amanhã é uma palha seca dispersa pelo vento”.

O artigo do Monsenhor João Clá Dias, Fundador dos Arautos do Evangelho transcrito a seguir esclarece bem como devemos considerar o tema.

O VERDADEIRO PÃO DO CÉU

Mons. João Scognamiglio Clá Dias

O milagre da multiplicação dos pães foi uma demonstração retumbante e inequívoca do poder de Cristo sobre a matéria. Porém, Jesus desejava dar um passo a mais na manifestação do seu amor pela humanidade: desvendar o mistério da Eucaristia, o verdadeiro Pão dos Anjos, que é o seu próprio Corpo, Sangue, Alma e Divindade.

Procurava chamar a atenção do povo para essa iminente revelação. Ouvindo falar de um alimento que “ permanece até a vida eterna”, as pessoas logo O julgaram capaz de operar esse milagre, pois, entre tantos outros prodígios, havia já feito um pão inigualável.

Assim, partindo da figura material para chegar à realidade espiritual, Ele relaciona o milagre da multiplicação dos pães com um outro pão que iria dar: “o verdadeiro Pão do Céu”.

Multiplicação dos pães – Prenúncio da Eucaristia

Era chegada a hora do anúncio preparado por Deus durante longos séculos: o Pão da vida não é senão Aquele que dá, mantém e desenvolve a vida sobrenatural. O Maná no deserto, o sacrifício de pão e vinho de Melquisedec, o Cordeiro Pascal, e a recente multiplicação dos pães são algumas das prefiguras a anunciar a instituição da Eucaristia. Por Ela o próprio Jesus se dá em alimento “não como o Maná que nossos pais comeram e morreram”, mas um alimento para a vida eterna.

Nosso Senhor procura elevar o desejo ainda muito materialista da multidão, de maneira a eles aceitarem as suas palavras: “Quem se alimenta com minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia”.

NOSSA GRATIDÃO PARA COM JESUS NA EUCARISTIA

Diante do inestimável dom da Eucaristia, qual deve ser nossa gratidão?

Embora seres limitados, temos na alma uma janela voltada para o infinito que Deus teve a delicadeza de colocar ao nos criar, a fim de favorecer nosso relacionamento com Ele. Assim, nada deste mundo pode satisfazer inteiramente o homem porque “o olho não se farta de ver, nem o ouvido se farta de ouvir” (Ecl 1, 8).

Em consequência, quando procuramos a felicidade nos prazeres ou nos bens terrenos, nos decepcionamos. Quem não conhece Deus e, como os pagãos, vive atrás de coisas materiais, este sempre padecerá fome e sede, pois nunca conseguirá satisfazer-se no seu orgulho e na sua sensualidade.

Pelo contrário, quem se alimenta do Pão verdadeiro, Pão angélico, Pão divino que é o próprio Jesus Cristo, terá mais sede e fome de Deus, do sobrenatural, da vida divina e, em consequência, menos será aguilhoado pelo desejo de pecar.

Santíssimo Sacramento no ostensório – Capela da Adoração Perpétua na Basílica Nossa Senhora do Rosário, dos Arautos do Evangelho

Em termos sublimes, exprime Santo Agostinho a felicidade de libertar-se da fome e sede de pecado e arder de sede e fome de Deus: “Tarde demais Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais Vos amei! Estáveis dentro de mim, enquanto eu estava fora e do lado de fora Vos procurava. E disforme como era, lançava-me em busca da beleza das vossas criaturas. Comigo estáveis, e eu não estava convosco. Retinham-me longe de Vós aquelas coisas que nada seriam se não existissem em Vós. Chamastes-me, e vosso grito rompeu minha surdez. Brilhastes e resplandecestes, e vosso fulgor expulsou minha cegueira. Exalastes vosso perfume, eu respirei e suspiro por Vós. Provei o vosso sabor, e de Vós sinto fome e sede. Tocastes-me e abrasei-me no desejo de vossa paz” (Confissões, L.X, c27: ML 32, 795).

O mundo nos oferece toda espécie de bens materiais, de satisfação da egolatria e dos apetites sensuais, mas não proporciona aquilo que dá paz à alma: a Eucaristia, na qual está realmente presente Nosso Senhor Jesus Cristo.

Diante deste inestimável dom, qual deve ser a nossa gratidão?

Sejamos gratíssimos a Deus, pois neste Sacramento recebemos benefícios muito superiores àqueles concedidos às multidões que foram à procura do Divino Redentor movidas pelo mero desejo do pão material. Estes O viram e ouviram, mas não tiveram o privilégio, tão ao nosso alcance, de recebê-Lo diariamente no banquete eucarístico!

 

Fonte: Revista “Arautos do Evangelho”

Ilustrações: Arautos do Evangelho, wpress, ateli@rt.

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