Função social da beleza

O sentimento estético é eminentemente social. Ele é fator de simpatia, de satisfação e deleite. Diz-se que o bem é eminentemente difusivo. Da beleza podemos dizer que ela é eminentemente comunicativa. Quem saboreou a pulcritude aspira a comunicar aos outros suas emoções, sua admiração, sua deleitação, sua satisfação.

Com efeito, é manifesto que a beleza consegue esse prodígio de fazer vibrar as almas em uníssono, criando uma forma própria de unidade espiritual que transcende os conflitos. Tais sentimentos, produzidos pela beleza, fazem dela um caminho fácil e aprazível para chegarmos até Deus. Caminho este consagrado por São João Paulo II como “Via Pulchritudinis”, cuja eficácia é atestada por uma infinidade de fatos históricos.

Clóvis, o primeiro rei cristão da história, foi batizado por São Remígio no Natal do ano 496. Para este dia, Santa Clotilde, sua esposa, mandou ornamentar, belamente a Catedral de Reimes, a praça e ruas adjacentes. Narram os cronistas que o bárbaro rei, ao aproximar-se do Santo Bispo, perguntou-lhe, emocionado: “Pai, isto já é o Céu!”. Ao que o Santo respondeu: “Não, filho, este é o caminho do Céu!”. Neste belo episódio histórico podemos ver um primeiro serviço prestado pela beleza à evangelização dos povos, enquanto instrumento da graça divina.

Vitrales – Basílica de St-Remi – Reims, Francia

A “linguagem” da beleza

Imagem

São Tomás assim define a beleza: “Id quod visum placet”, aquilo que agrada ver. Agrada pela integridade, pelas proporções, pela unidade na variedade, pela clareza e resplendor que o ser contemplado emite. Daí vem a definição de belo: o esplendor da verdade e do bem.

A unidade na variedade é o fundamento da beleza. A multiplicidade dos aspectos e as semelhanças entre eles tornam mais resplandecente a beleza quando esses predicados se unem e explicitam a beleza. A unidade triunfa quando submete à sua lei elementos na aparência inconciliáveis. Este efeito pode ser percebido na policromia dos vitrais góticos, bem como nas “arquiteturas” sonoras de Bach, de Mozart, de Palestrina, de Hendel e quantos outros, onde a unidade reúne e funde motivos e temas múltiplos num mesmo todo harmonioso. Ali, nada é inútil, tudo concorre e se combina para exprimir uma mesma idéia.

O “placet” de São Tomás é a alegria, o deleite, o comprazimento que o belo nos proporciona ao colocar nossa inteligência em contato com a claridade esplendorosa da perfeição e da ordem postas pelo Criador nas criaturas.

A beleza é acessível, primeiro aos dois sentidos mais nobres, vista e audição. Mas, quase simultaneamente, é captada pela inteligência, pondo o homem inteiro em estado de alegria, satisfação e bem-estar, constantemente renovados. O ouvido se compraz com uma bela música, os olhos se encantam com os belos panoramas, com as belas obras de arte. “Placet” é este encantamento que a beleza sensível produz.

O belo é sumamente deleitável, encanta e arrebata os sentidos e gera o sentimento do querer bem. De modo que o ser humano, composto de alma e corpo, em face de uma beleza arrebatadora, ao deixar-se arrebatar, não está renunciando à sua condição racional. A beleza esplendorosa ilumina a inteligência como um relâmpago, desprende a vontade de tudo que é menos esplendoroso, e arrebata o homem todo para o estado de contemplação.

As coisas belas, pelo que contêm de perfeição inesperada, de visão original e penetrante, de associações singulares, de combinações audaciosas, provocam admiração, pasmo, surpresa e inspiram uma espécie de respeito sagrado, pela revelação que fazem do mundo secreto das formas e das cores. Mas este respeito sagrado é causado sobretudo pelo irresistível poder de fascínio que exerce sobre a inteligência humana. O homem sente-se subjugado pela beleza e reverencia nela o próprio Deus.

Daí que julgando perceber efeitos do que é sagrado em certas formas de beleza, Ruskin chega a falar de “religião da arte” e “religião da beleza”. Mas este não é mais que um modo didático de se exprimir, pois a arte não é uma religião. Se a beleza merece nossas homenagens é porque ela deixa filtrar, à maneira de reflexos, os encantos da Beleza Infinita[1].

[1] Régis Jolivet, Curso de Filosofia, Agir, RJ, 6a- Ed., 1963, pp. 362,365.

POR BOSQUES NUNCA DANTES CONTEMPLADOS

Nosso Brasil foi dotado pela Providência de incontáveis belezas naturais que fazem o maravilhamento de quantos nos visitam. Mas, o Divino Criador tem em Si infinitas belezas. Por mais que sua dadivosidade tenha ornado nossa Pátria — e outros países tropicais — com as belezas próprias a estas latitudes, colocou Ele diferentes e incontáveis belezas em outras áreas da Terra.

Vejamos uma dessas belezas a que estamos pouco acostumados e, quiçá, nunca as tenhamos contemplado.

Continue lendo POR BOSQUES NUNCA DANTES CONTEMPLADOS

Harmonias

Seria possível compor uma música com uma nota só?

Na medida que se possa chamar de música o som de uma sirene ou de uma buzina, sim. Mas aí seria um único tom, seria mono tom, seria monótono: esse é o significado da palavra “monótono”. Um só (“mono”) som (tono).

É o mínimo que se poderia dizer de um único som: monótono.

Para haver beleza, a música deve ter uma variedade de sons. Só havendo variedade é possível harmonia.

Vejamos, então, uma música.

A Santa Igreja Católica é a grande sinfonia criada por Deus para os ouvidos da nossa alma. Sinfonia que reflete a variedade de atributos do Criador, suas infinitas perfeições.

No dia 6 de outubro a Igreja comemora uma das notas musicais inspiradas poe Ela: São Bruno, fundador da Cartuxa, uma das ordens religiosas mais ciosas da perfeição, a brilhar nos céus da Santa Igreja.

São Bruno viveu nos últimos anos do século XI. Inspirado por Deus, fundou o Ordem dos Cartuxos, que na solidão, no perpétuo silêncio e austera simplicidade busca a perfeição da vida contemplativa. A Ordem tem um lema: “Nunca reformada porque nunca deformada”, expressão de sua fidelidade ao carisma original do Fundador.

Para aquilatarmos a obra de São Bruno, vejamos como se passa a vida de algum de seus filhos espirituais. Para isso, penetremos na austera cela onde um cartuxo reza. À sua frente um crucifixo relembra a morte mais dolorosa que jamais houve. Revestido de um simples e pobre hábito, parece a personificação da gravidade, da resolução varonil de só viver para o que é verdadeiro, eterno, de nobre simplicidade e espírito de renúncia a tudo quanto é da terra. Pobreza material enfim, iluminada pelos reflexos sobrenaturais da mais alta riqueza espiritual. ⁽¹⁾

* * *

Consideremos a outra ilustração: o Concílio reunido na Basílica de São Pedro. É uma feeria de cores, luzes e pompas numa cena histórica. Tudo se reveste de uma grandeza, que é o suprassumo do que a terra pode apresentar de mais belo.

O que em uma foto é gravidade recolhida, no outro é glória irradiante. O que em um é pobreza, no outro é fausto. O que em um é simplicidade, no outro é requinte. O que em um é renúncia às criaturas, no outro é a superabundância das mais esplêndidas dentre elas.

Pode-se, então, ao mesmo tempo amar a riqueza e a pobreza, a simplicidade e a pompa, a ostentação e o recolhimento? Pode-se a um tempo louvar o abandono de todas as coisas da terra, e a reunião de todas elas para a constituição de um quadro em que reluzem os mais altos valores terrenos, reflexos da Beleza infinita de Deus?

Existe uma contradição?

Não, pelo contrário, a Igreja Se mostra santa, e sabe estimular a prática das virtudes presentes na vida obscura do Monge, e no esplendor de São Padro. Uma coisa se equilibra com a outra, um extremo (no sentido bom da palavra) compensa a outro e com ele se harmoniza.

Na austeridade do Monge, se vai até Deus considerando o que as coisas não são. No esplendor da Liturgia se sobe até Ele.

A Santa Igreja convida os seus filhos a irem por uma e outra via simultaneamente. Pelo espetáculo sublime de suas pompas, e pela consideração das admiráveis renúncias que só Ela sabe inspirar e fazer realizar.

Como numa música bem composta, as diversidades combinadas harmoniosamente são o fator de beleza.

.
.

⁽¹⁾ Adaptação de trechos do artigo “Pobreza e fausto: extremos harmônicos no firmamento da Igreja”, Plinio Corrêa de Oliveira, jornal Catolicismo, nº 96.