Um amigo, recém chegado de viagem de trabalho à Europa, contou-me algo curioso ocorrido durante o voo. Era uma vigem de quase dez horas, dessas viagens — mesmo de avião — que parecem não terminar mais. As conversas há muito tinham cessado: não havia mais assuntos. Uns dormitavam, outros deixavam o pensamento divagar. São desses poucos momentos permitidos pelo corre-corre moderno para quem queira tirar bom proveito. Foi o que fez meu amigo.
Enquanto punha em ordem as impressões e planos, sua atenção foi despertada pelo titulo do artigo na revista da poltrona vazia ao lado.
“Somos mortais!” era o título do artigo. Como, algo tão óbvio, vinha seguido de exclamação? Entretanto chamara a atenção do autor do artigo, e devia ser interessante a ponto de uma revista publicar.
Narrava a surpresa de um escritor, falecido a não muito tempo, vítima de doença grave, que põe para si a “descoberta” do óbvio: era mortal! Embora a morte seja a única coisa certa na vida, o homem de hoje vive como se não fosse morrer nunca, dizia a si mesmo.
O próprio “descobridor do óbvio” lamenta não ter realizado o plano de Deus a seu respeito, a que ele chamava “a obra prima de santidade que Deus esperava de mim”, e a tristeza — queira Deus que arrependido — pelo bem que deveria ter feito e não fez, pelo mal que deveria ter evitado e não evitou.
Essa pessoa bem poderia agradecer a misericórdia da Providencia Divina, ao permitir a doença: dava-lhe a oportunidade de avaliar bem a própria vida e com isso, a oportunidade de arrepender-se do bem que não fizera e do mal que fizera.
Meu amigo rezou por aquele desconhecido, para que tivesse “um coração contrito e humilhado” o qual “Deus não despreza” (Sl 50, 19).
E — dizia-me — agradeceu a Deus por lembrar-lhe essa coisa tão verdadeira, sobre a qual poucos pensam e, menos ainda, falam: somos mortais…
A misericórdia e a bondade de Deus para conosco são infinitas…!