Num ardoroso ímpeto de fé, São Pedro adianta-se aos outros Apóstolos e proclama que Cristo é o Filho de Deus. Como recompensa a este ato de fidelidade, Jesus o constitui a pedra sobre a qual edificará sua Igreja.
Pouco depois — três versículos apenas — Jesus o chama de “satanás”, e diz que “teus pensamentos não são de Deus”. (Mt 16, 23)
Afinal, Pedro é a pedra sobre a qual Jesus edificará a Igreja, ou é “satanás”?
Com a clareza e precisão costumeiras, Mons. João Clá Dias, fundador e Superior Geral dos Arautos do Evangelho, elucida a questão.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Nosso Senhor oferece Pedro a garantia da infalibilidade, ao declarar que suas decisões na Terra serão ratificadas no Céu. Ele será assistido pelo Espírito Santo para ensinar a verdade, o que torna impossível à Igreja desviar-se, seguindo falsas doutrinas. Graças a este carisma o Sumo Pontífice não erra quando se pronuncia ex cathedra, “isto é, quando, no desempenho do múnus de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica que determinada doutrina referente à Fé e à moral deve ser sustentada por toda a Igreja”. (1)
O Papado tem sido uma das instituições mais combatidas ao longo da História, o ponto no qual se concentra o ódio do demônio e das forças do mal e, ao mesmo tempo, o fator de estabilidade do Corpo Místico de Cristo, único organismo a gozar deste privilégio.
Analisam os autores o alcance do poder das chaves, e muitos defendem que as palavras “na Terra” compreendem tudo o que está nela e debaixo dela, isto é, os vivos e também os mortos. Assim, o Papa tem autoridade para canonizar um Bem-aventurado e fazer com que este receba um acréscimo de glória acidental na eternidade; para aplicar sufrágios específicos aos fiéis que estão no Purgatório e até para excomungar um falecido. (2) Era necessário existir um homem com tais atribuições aqui na Terra, a fim de que tivéssemos uma ligação direta com o Céu!
Também aos Bispos e sacerdotes, sob o primado do Papa e em total dependência dele, é concedido o poder das chaves, embora de forma menos intensa que ao Sumo Pontífice. No confessionário, por exemplo, o padre tem a faculdade de absolver ou não o penitente de seus pecados, fazendo com que as portas do Céu se abram para ele ou continuem fechadas.
Enquanto o Paraíso Terrestre —criado por Deus para os homens — está guardado por Querubins, desde que Adão e Eva de lá foram expulsos (cf. Gn 3, 24), as chaves do Paraíso Celeste, morada dos Anjos bons, foram confiadas a um homem! Portanto, São Pedro obteve de Jesus muitíssimo mais do que Adão perdera!
Dir-se-ia ser um perigo depositar tal tesouro nas mãos de um homem… Sim, caso não fosse Deus o Doador! Quem o entrega a São Pedro é o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo e, na realidade, é Ele quem governa a Igreja. Se nela houve abusos e desvios ao longo da História, foram por Ele permitidos para provar que, ainda que o elemento humano esteja presente, sempre prevalecerá o elemento divino.
Nos versículos subsequentes Nosso Senhor anuncia aos Apóstolos, pela primeira vez, sua Paixão (cf. Mt 16, 21), quiçá para contrabalançar a euforia em que se encontravam ante aquela grandiosa notícia e impedir que de modo errôneo a tomassem como sinal da realização iminente de seu sonho messiânico.
Porém, ao ouvir a descrição dos horrores pelos quais o Mestre haveria de passar, Pedro O tomou à parte (cf. Mc 8, 32) e começou a repreendê-Lo, dizendo: “Que Deus não permita isto, Senhor! Isto não Te acontecerá!” (Mt 16, 22).
E Cristo, que pouco antes havia declarado ser Pedro a rocha sobrea qual iria construir a Igreja, agora o repele como a uma tentação: “Afasta-te, satanás!”(Mt 16, 23). Como entender isto?
Faltava a São Pedro uma força do Espírito Santo que lhe infundisse o amor verdadeiro e desinteressado e o preparasse para compreender a Paixão do Salvador. O Apóstolo, que agira tão bem na primeira prova, ao testemunhar com arrojo a divindade de Jesus Cristo, sucumbe nesta outra da aceitação da cruz e da dor.
Ele, que fora inteiramente fiel, a ponto de ser constituído a pedra sobre a qual a Igreja seria edificada, torna-se agora pedra de tropeço para o Mestre, que com essa categórica reação visava extirpar dos discípulos a mentalidade antiga da sinagoga e prepará-los para o espírito da Santa Igreja.
Vemos aqui as duas facetas de São Pedro: uma, inspirada pelo Espírito Santo, que lhe dá a visão divina das coisas; outra, a da natureza decaída pelo pecado original.
Ao anunciar a instituição do Papado, Cristo procura vincar bem a distinção entre o que é a assistência do Paráclito para a infalibilidade e o que é a atuação humana.
Querer sustentar a ideia de que todo Papa é santo não corresponde à realidade. O múnus petrino pode servir de caminho para a perfeição, e o ideal é que o Papa trilhe esta via, mas ele não perderá a infalibilidade, ainda que sua conduta não seja virtuosa.
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(1) DENZINGER, 3074. (Edição brasileira com base na 40ª edição alemã (2005), Ed. Paulinas e Loyola, São Pulo, 2007, p. 659-660)
(2) Cf. MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelio de San Mateo. Madrid: BAC, 1956, v.I, p.595-596.
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(O artigo completo sobre o assunto está na revista “Arautos do Evangelho” deste mês (agosto de 2014), p. 8-15. Para ter acesso ou fazer download da revista Clique aqui)
Ilustrações: Arautos do Evangelho, Gaudium Press, Wiki
É uma grande graça pertencer à Igreja Católica, única instituição que possui este tesouro: A infalibilidade de seu Pastor Supremo!
O Papa — de qualquer época —, embora sujeito às misérias humanas é infalível, ou seja, quando, no desempenho do múnus de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica que determinada doutrina referente à Fé e à moral deve ser sustentada por toda a Igreja.
Outra graça enorme é receber esta e outras lições do Mons. João Clá Dias, fundador dos Arautos do Evangelho.
Valter Menezes
A infalibilidade vem do Espírito Santo, enquanto que o homem não deixa de ser pesado a si mesmo. Estas são as nossas duas facetas já conhecida por Deus: uma de possuirmos em nós o declínio do pecado, e outro de sermos cristãos e filhos de Deus. Pedro ganhou as chaves não por merecimento, mas por que assim deveria prevalecer pelos confins da Terra a Palavra que vem de Deus!!! Fenomenal o artigo e muito esclarecedor.
Monsenhor João explica o significado e o alcance do poder das chaves que pode ser exercido por bispos e padres, desde que ajam em comunhão e na inteira dependência ao Papa. Com relação aos bispos, ja tinha lido alguma coisa a respeito. Quanto aos padres, eu não havia ainda atentado para tal aspecto. Agradou-me muito o artigo.
Renato Vieira
Salve Maria! Que explicação super interessante! Sempre ficava intrigada com esta passagem do Evangelho, claro que não questionamento de forma alguma as palavras de Nosso Senhor, então, Ele constitui Sao Pedro chefe da Igreja e portanto infalível quando se pronuncia “ex cathedra” , e lhe dar o poder de ligar e desligar na terra e debaixo dela. Em seguida chama-o de Satanás, agora ficou bem claro neste ultimo caso a ação de Pedro foi pura e simplesmente dele, sem agir aí o Espirito Santo.
A Igreja é Divina independente dos homens.
Muito esclarecedor esse artigo de Mons Clá Dias. Fica muito claro distinguir uma coisa e outra. Letícia