ESCOLHA SÁBIA

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O que você diria de alguém que quisesse criar uma organização para conquistar o mundo, e para tal recrutasse pessoas sem instrução, exercendo ofícios pouco cotados, sem praticamente nenhuma projeção social, sem recursos financeiros, etc.?

Dir-se-ia que esse alguém não teria a mínima possibilidade de êxito e talvez fosse taxado de visionário ou inconsequente, pois não estaria reunindo as mínimas condições de sucesso.

E, se fosse possível dar um salto no tempo, ver qual foi resultado, décadas ou séculos depois, o que encontraria?

Teria alcançado o sucesso ou pelo contrário um rotundo fracasso?

Ora, essa situação existiu e o conseguido não foi nem um pouco um fracasso. Pelo contrário foi um grande sucesso. Essa “organização” existe: é a Santa Igreja Católica.

Seu Fundador recrutou a quem, para ir célere em direção a seu objetivo?

E, tão certo estava do sucesso e de sua indestrutibilidade, que pôde dizer: “as portas do inferno não prevalecerão contra Ela”.

É sobre esse primeiro “recrutamento” feito pelo Divino Fundador que trata o artigo a seguir, de autoria do Mons. João Clá, Fundador dos Arautos do Evangelho.

CONQUISTAR O IMPERADOR PELO PESCADOR (*)

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

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A escolha recaiu sobre pescadores. Jesus poderia ter designado membros das escolas rabínicas — as universidades da época — ou quaisquer outras pessoas de maior projeção e influência. Mas quis pescadores…

A PSICOLOGIA DO PESCADOR

Analisemos as características do pescador. Para ser bem sucedido ele precisa ter faro, certo tato, um “sexto sentido” próprio à sua profissão. Ao despertar de manhã, pelo vento, pela atmosfera, pela maresia e o tipo de ondas, sabe se o mar está piscoso e favorável ou se paira uma ameaça de tempestade, podendo ele mesmo vir acorrer riscos; quais os pontos onde lançar a rede, e os que têm de ser evitados.

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Mar da Galéia

Ele sabe que espécie de peixe corresponde a cada estação do ano, quando chegou a temporada da desova e o período em que os peixes sobem, e distingue inclusive os costumes dos mais variados cardumes. Todo este conhecimento acaba lhe constituindo uma segunda natureza.

Ele se dedica à pesca para subsistir e não por puro diletantismo. Mais ainda, cabe ao pescador montar uma empresa, sendo-lhe exigido adequar as artes da pescaria ao relacionamento com a freguesia e, portanto, não apenas entender de pesca, mas estar a par das apetências dos consumidores da cidade. Por isso a sua vida está entre a atividade pesqueira e os interesses humanos, o que lhe proporciona, além da percepção das águas, um atilado senso psicológico. Se for um ótimo pescador, porém um mau negociante, ou o contrário, seu ofício redundará num desastre. Ora, é dentre os pescadores que Cristo elege os seus. Por quê?

A GRAÇA NÃO DESTRÓI A NATUREZA,MAS A APERFEIÇOA

Os Apóstolos deveriam, dali em diante, pescar almas, não com o intuito de obter lucro, e sim para entregá-las a Deus. Ele, que “não suprime a natureza mas a aperfeiçoa”, (1) derramaria suas graças sobre as qualidades humanas dos discípulos com vistas a aproveitá-las, como ressalta Fillion: “As funções que lhes confiará, depois detê-los preparado gradualmente, decerto não carecerão de semelhança com o ofício em que até então se haviam exercitado. […] Nele aprenderam a paciência e o animoso trabalhar”. (2)

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O sobrenatural iria elevar e aprimorar as aptidões e os dons dos pescadores, ocasionando-lhes extraordinárias possibilidades no cumprimento de sua vocação. Não era, pois, o caso de o Divino Mestre estar à procura de outros se, naquele tempo, os pescadores se contavam entre os que possuíam mais senso psicológico, maior contato com a natureza e uma estupenda visão natural da obrada criação.

Jesus preferiu estes porque, em suma, eram idealíssimos para dar início à formação do Colégio Apostólico e da Igreja.

Neste episódio reconhecemos uma prova da sabedoria de Deus e de sua bondade previdente: em duas barquinhas minúsculas, singrando um pequeno lago com quatro pescadores, estava o berço da Religião que iria transformara face da Terra. Sim, “pela rede da santa pregação tiraram os homens do mar profundo da infidelidade, conduzindo-os para a luz da Fé. Esta pesca é muito admirável, porque os peixes quando são colhidos morrem lentamente, enquanto os homens presos pela palavra da pregação são vivificados”, (3) afirma São Remígio.

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Quem teria coragem de dizer aos gregos, aos romanos ou até aos bárbaros da época, que estes pobres trabalhadores triunfariam das civilizações tidas por grandiosas e sobre as suas ruínas iriam construir um império muito superior, a Civilização Cristã, com todas as riquezas e maravilhas estupendas que ela produziria no transcurso dos séculos?

Santo Agostinho explica a razão mais elevada deste modo de proceder: “Se Deus houvesse escolhido um homem sábio, talvez esta eleição fosse atribuída à sua sabedoria. Nosso Senhor Jesus Cristo, que queria quebrantar a cerviz dos soberbos, não busca o pescador pelo orador, mas conquista o imperador pelo pescador”. (4)

* * * * * 

 

(*) Esse título é de autoria da redação deste Blog.

(1) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.1, a.8, ad 2.

(2) FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.II, p.22-23.

(3) SÃO REMÍGIO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Marcum, c.I, v.16-20.

(4) SANTO AGOSTINHO. In Ioannis Evangelium. Tractatus VII, n.17. In: Obras. Madrid: BAC, 1955, v.XIII, p.239.

 

(Publicado originalmente na revista “Arautos do Evangelho”, nº 157, p.  11-14)

 

Ilustrações:Arautos do Evangelho, Gaudium Press, Photorelease,Wordpress

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