Fazer um esquilo?

O Mons. João Clá, EP, fundador dos Arautos do Evangelho usa imagens inesperadas para explicar as coisas mais profundas. Não é sem razão que sua mais recente obra, publicada pela Libreria Editrice Vaticana, “O inédito dos Evangelhos”, tem esse título.

Por que pertencemos a Deus? Por que lhe devemos obediência? Por que devemos prestar-Lhe culto?

Essas e outras perguntas ficam respondidas no texto a seguir, de autoria do Mons. João Clá.

PERTENCEMOS A CRISTO POR NATUREZA E POR CONQUISTA

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

Se algum de nós obtivesse poder para tirar do nada um esquilo, consideraria, com toda justiça, esse ser vivo inteiramente seu, pois, se não fosse pela sua ação criadora, o animal jamais teria começado a existir. Julgar-se-ia, portanto, com toda liberdade para mandá-lo subir no seu ombro, levá-lo para brincar no jardim, ou até trancá-lo numa gaiola, caso quisesse fugir. E se, em lugar de possuir uma mera natureza irracional, o animalzinho tivesse a capacidade de pensar, deveria tributar uma gratidão sem limites a quem lhe deu a vida.

Tendo sido tirados do nada pelo Criador, Ele Se tornou credor de nosso reconhecimento como Senhor pleno e absoluto. “Se Deus é todo-poderoso ‘no Céu e na Terra’ (Sl 135, 6), é porque os fez. Por isso, nada Lhe é impossível, e Ele dispõe à vontade de sua obra; Ele é o Senhor do universo”, ⁽¹⁾ ensina o Catecismo da Igreja Católica. E São Luís Maria Grignion de Montfort, o célebre Santo da devoção mariana, afirma: “Por natureza, todas as criaturas são escravas de Deus”. ⁽²⁾ Ora, não somos esquilos, nem plantas, nem minerais, mas criaturas racionais que, pelo pecado original, haviam perdido a possibilidade de herdar o Reino Celeste e de gozar eternamente do convívio com as três Pessoas da Santíssima Trindade.

Cristo Rei – Palermo – Itália

Para reparar tal perda, o Verbo Se fez carne, morreu crucificado e ressuscitou. Esse incomensurável ato de amor abriu-nos as portas do Céu e restabeleceu, através do Batismo e da graça, o gênero de relacionamento havido no Paraíso com o Criador. Em consequência, Cristo passou a ser Senhor do universo também por direito de conquista. “Pertencemos Àquele que nos redimiu, Àquele que por nós venceu o mundo, não com armas de guerra, mas com a irrisão da Cruz”, ⁽³⁾ afirma Santo Agostinho. E São Luís Grignion acrescenta: “Não nos pertencemos a nós, como diz o Apóstolo (cf. I Cor 6, 19; 12, 27), e sim a Ele, inteiramente, como seus membros e seus escravos, comprados que fomos por um preço infinitamente caro, o preço de seu Sangue.

Antes do Batismo o demônio nos possuía como escravos, e o Batismo nos transformou em verdadeiros escravos de Jesus Cristo; e só devemos viver, trabalhar e morrer para produzir frutos para este Homem-Deus, glorificá-Lo em nosso corpo e fazê-Lo reinar em nossa alma, pois somos sua conquista, seu povo adquirido, sua herança (cf. Rm 7, 4; I Pd 2, 9)”. ⁽⁴⁾

Cristo Redentor (Corcovado) Bela afirmação da realeza de Jesus sobre o Brasil

Assim, por sua Morte e Ressurreição, tornou-Se o Verbo Encarnado Senhor por excelência de todos os homens, tanto no tocante à sua natureza divina quanto à humana. Enquanto Deus, Cristo tem direito sobre todos os seres criados, não apenas por tê-los tirado do nada, como também por sustentá-los na existência a cada instante, conforme canta o salmista: “Se desviais o rosto, eles se perturbam; se lhes retirais o sopro, expiram e voltam ao pó de onde saíram” (Sl 103, 29).

Ao nos redimir, essa relação de servidão entre a criatura e o Criador estendeu-se também à sua humanidade divina, pois “a Ascensão de Cristo ao Céu significa sua participação, em sua humanidade, no poder e na autoridade do próprio Deus. Jesus Cristo é Senhor: possui todo poder nos Céus e na Terra”. ⁽⁵⁾

.

⁽¹⁾ CCE 269.
⁽²⁾ SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.70. In: OEuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.531.
⁽³⁾ SANTO AGOSTINHO. Enarratio in psalmum LXII, n.20. In: Obras. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.590.
⁽⁴⁾ SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT, op. cit., n.68, p.530.
⁽⁵⁾ CCE 668.

.

Texto: Mons. João Scognamiglio Clá Dias, “O inédito dos Evangelhos”, Libreria Editrice Vaticana, 2013, Vol. II, pp.115-117.