De todas as influências possíveis, a mais profunda é aquela exercida por quem, a qualquer título, representa um modelo a ser imitado e seguido pelo outro. Este é um arquétipo. Se um filho vê nos pais a realização daquela pessoa ideal que deseja ser quando crescer, mais facilmente se deixará influenciar por eles.
Na medida em que os pais não realizarem este arquétipo que o filho espera deles, sua influência junto ao filho minguará. Este irá buscar esta “arquetipia” em outras pessoas. Isto acontece porque o homem, ao nascer, é como um esboço que deve ser completado por si próprio, de acordo com certo modelo ideal, absoluto, que o seu senso do ser lhe aponta. Nisto consiste a sua santificação e, portanto, sua união com o modelo absoluto que é Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por isto, desde muito cedo, sentindo sua fragilidade intelectual e moral, a criança se dá conta de que, por si mesma, não poderá conhecer nem atingir inteiramente o ideal ao qual se propõe. De onde se colocar docilmente, de início, sob a proteção dos pais. Mais tarde, vai colocar-se sob a influência, guia e proteção de pessoas suscitadas pela Providência para orientar aquele movimento de sua alma rumo ao modelo absoluto que procura como objetivo último.
A conversação se insere, assim, numa regra universal do convívio humano, expressa em um provérbio latino muito nobre: similis simili gaudet, o semelhante alegra-se com o seu semelhante. Nesta concepção, a arte da conversa acaba sendo um meio que os semelhantes encontram de se apoiarem gaudiosamente uns nos outros para, unidos por semelhança, buscarem Aquele que ao criar-nos, disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gên. 1,26).
A conversa à mesa é uma ocasião de ouro para estabelecer um convívio agradável entre os membros da família, tão prejudicado pela correria da vida moderna. Para isto, é indispensável que o pai e a mãe de família tenham o cuidado de não trazerem para a mesa os “amargores” do dia. É preciso procurar fatos interessantes que possam agradar a todos.
Nunca a conversação familiar, durante as refeições, pode degenerar-se em vulgaridades nem em críticas a pessoas, ainda que distantes, pois além de serem desinteressantes e deformantes das crianças, acabam filtrando e criando inimizades. Mesmo entre pessoas de absoluta confiança, a prudência desaconselha quaisquer palavras ou insinuações que possam ser ou mesmo parecer-se com a maledicência.
Tema atualíssimo é tratado pelo Mons. João Clá, Fundador e Superior Geral dos Arautos do Evangelho no seu comentário ao trecho em que os fariseus julgam fazer uma armadilha a Nosso Senhor.
Mons. João Clá mostra a sagacidade divina de Jesus ao deixar os fariseus sem ter o que dizer, e ao mesmo tempo institui o Sacramento do Matrimônio.
O texto a seguir são excertos. O artigo completo foi publicado pela Libreria Editrice Vaticana. (1)
OS FARISEUS E PUREZA ORIGINAL DO MATRIMÔNIO
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Encontrava-Se o Divino Mestre evangelizando “a região da Judeia, além do Jordão” (Mc 10, 1). Enquanto ensinava as multidões, os fariseus, adeptos de uma moral de exterioridades, “se aproximaram de Jesus. Para pô-Lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher. (Mc 10, 2)
Eles, porém, não queriam aprender, mas destruir, como ressalta São Beda: “É de se notar a diferença que há entre o espírito do povo e o dos fariseus: o primeiro vem para ser instruído pelo Senhor, para que cure seus enfermos, […] os últimos, para enganá-Lo, tentando-O”. (1)
Pergunta formulada com perversa intenção
Feriseus
Cientes de que o Redentor já havia defendido o casamento indissolúvel (cf. Mt 5, 31-32), seus adversários quiseram pô-Lo à prova, confrontando-O com Moisés, que permitira o divórcio.
Pretendiam, assim, colocá-Lo numa posição difícil, pois se Ele respondesse com uma negativa, estaria Se pronunciando contra o profeta; se dissesse que sim, rejeitaria sua própria doutrina. Ademais, tanto uma quanto outra solução dividiria a opinião pública, dado que os judeus seguiam as mais variadas tendências a esse respeito.
A Sabedoria Divina desmonta uma armadilha humana
Nosso Senhor é a Sabedoria Eterna e Encarnada, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Para Ele, então, não constituía novidade o fato de Lhe apresentarem tal problema.
Sabendo qual era o péssimo intuito dos fariseus ao montar aquela armadilha, Jesus responde com inteira naturalidade e de modo peremptório, indo diretamente ao ponto aonde tencionavam levá-Lo: “perguntou: ‘O que Moisés vos ordenou?’” (Mc 10, 3)
Uma vez descobertos, tiveram que confessar suas intenções, respondendo: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la”. (Mc 10, 4)
A lei positiva deformada pela casuística
Com efeito, estava consignado por Moisés que o marido podia despedir sua mulher “por descobrir nela qualquer coisa inconveniente” (Dt 24, 1). Termos muito genéricos, que com o tempo deram margem a numerosas controvérsias.
Discutiam eles os casos em que tal concessão seria cabível, mas se desviaram, chegando a extremos inimagináveis: alguns eram da opinião de que se a mulher deixasse queimar a comida, o marido já tinha motivo suficiente para repudiá-la. (2)
Além de ser uma insensatez que feria o próprio direito natural, a facilitação do divórcio concorria para desvalorizar cada vez mais a mulher e escravizar o homem às suas próprias paixões.
Ora, isto não condizia com o desígnio de Deus ao criar Eva da costela de Adão. Se fosse da vontade d’Ele “que o homem pudesse deixar uma e tomar outra, depois de criar um só varão teria formado muitas mulheres”, (3) pondera São João Crisóstomo.
Uma permissão motivada pela dureza de coração
Ao situar Moisés no centro da discussão, Nosso Senhor põe os fariseus “contra a parede”, pois lhes demonstra que aquela era uma lei humana, embora promulgada sob inspiração divina. O grande legislador não havia errado; todavia, não era senão “Por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento”. Mc 10, 5)
No entanto, o Redentor veio para restabelecera ordem. Tinha Ele o direito de decretar qualquer lei, não só enquanto Deus, mas também enquanto Profeta, previsto pelo próprio Moisés (cf. Dt 18, 15). Por conseguinte, sua palavra valia muito mais que a dele! A fim de evidenciar isto para os fariseus, Ele vai fazer uma afirmação rigorosa, apontando o plano original de Deus a respeito do casamento.
A primitiva pureza do matrimônio é restabelecida
“No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” (Mc 10, 6-9)
Citando o texto do Gênesis, Se reporta ao princípio da criação, ou seja, ao relacionamento que existia entre homem e mulher antes do pecado: união santa, monogâmica e indissolúvel, em total conformidade com a natureza de ambos. Se esta situação foi alterada, deveu-se à dureza de coração das gerações posteriores.
Não é difícil imaginar o quanto esta sentença do Divino Mestre arranhou os fariseus… Em todas estas contendas, “sempre é Ele quem lhes cose a boca e põe freio ao desaforo de sua língua, e com isso os afasta de Si. Sem embargo, nem assim retrocedem em seu empenho. Tal é naturalmente a malícia, tal a inveja, descarada e insolente”. (4)
Sobre o matrimônio ao longo dos séculos clique aqui
(1) JOÃO SOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP, “O inédito sobre os Evangelhos”, Libreria Editrice Vaticana, Vol. IV, p. 400-417. Publicado também na revista “Arautos do Evangelho”, nº 166, outubro de 2015, p. 8-17. Para acessar a revista Arautos do Evangelho do corrente mês clique aqui
(2) SÃO BEDA. In Marci Evangelium Expositio. L.III, c.10: ML 92, 229.
(3) Cf. MIDRASH SIFRE DEUT.24, 1, §269. In: BONSIRVEN, SJ, Joseph (Ed.). Textes rabbiniques des deux premiers siècles chrétiens. Roma: Pontificio Instituto Biblico, 1955, p.76.
(4) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía LXII, n.1. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (46-90). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.II, p. 286-287.
Ilustrações: Arautos do Evangelho, hijasmisericordia, wordpress.