O segredo da educação desde a infância

Como bem disse Platão, “aquele que tende à virtude desde a juventude deve ser, de alguma forma, guiado para que se alegre com a virtude e se entristeça com o vício”.[1] Segundo seu discípulo Aristóteles, “isto é a disciplina correta dos jovens, para que se acostumem a se deleitar nas boas obras e se entristeçam nas más. Por isto os instrutores de jovens, quando estes procedem bem os aplaudem, e os repreendem quando procedem mal”.[2]

Lewis explica que “o fim da educação é conseguir que o aluno tenha predileções e aversões pelo que corresponde”;[3] ora a um desses sentimentos, ora a outro. Em outros termos, no campo pedagógico é necessário despertar no aluno o interesse pelo tema concreto, que é o “aeroporto” a partir do qual deve alçar voo. “O interesse é como o motor que põe em marcha os mecanismos do saber. Faz possível que a vontade encontre motivos para dirigir-se ao objetivo. O interessante é um polo de atração para a vontade e um objeto cobiçado para a inteligência”.[4]

Ora, a função precípua da educação é a de elaborar personalidades. Isto implica o desenvolvimento do corpo e do espírito; o saber compreender e apreciar o belo e o bom; a formação do caráter; a preparação para a luta pela subsistência; a utilização conveniente do lazer, e a instrução cívica.[5]

O ser humano, em qualquer idade, está sempre recebendo elementos de formação ou de deformação na linha do equilíbrio ou do desequilíbrio. Toda exacerbação do apetite de conhecimento é um exercício que encaminha para a intemperança.

Uma personalidade é um todo indivisível constituído pela síntese de todas as perfeições que podem enriquecer um ser dotado de inteligência: Assim, a personalidade de um homem integra nele, em harmonia e unidade, todas as qualidades do mundo mineral, do mundo vegetal, do mundo animal, todos os valores do espírito e, por acréscimo, todos os bens do mundo da graça e da glória. Está submetida à dupla lei das condições humanas: aumento e diminuição. Uma personalidade se conquista e se perde.[6]

Ora, na temperança aparece essencialmente um sentido de medida. E a medida confere bem-estar e felicidade, não só espirituais, mas também físicos. É como o tempero nos alimentos. O bom cozinheiro é aquele que tem o senso da medica.[7]

O que é ter personalidade? O que é ser uma personalidade? Ter personalidade, ser uma personalidade, é ter uma alma bastante desenvolvida para dirigir, influenciar, brilhar em todo o corpo material. É realizar dentro do mero campo natural uma como que transfiguração da matéria pela iluminação interior da alma, que é uma prefigura meramente natural, mas esplêndida em si mesma, da transfiguração sobrenatural.[8]

São Tomás ensina que a virtude da temperança relaciona-se com o apetite concupiscível enquanto se centra em objetos deleitáveis sensíveis.[9] Por isto, esta virtude deve apresentar-se com os atrativos de que ela realmente dispõe, quer dizer, como distensiva e agradável de praticar.

Voando nas asas da esperança o homem, a um tempo, foge da tristeza e busca a alegria inerente à posse amorosa da sabedoria. A pessoa que elege como objetivo da vida fugir da ignorância procura a sabedoria por encontrar nela um “conhecimento saboroso”, e não por interesse utilitário.[10]

Em uma palavra, deve-se estimular na criança o fascínio pelo bem, pela verdade e pelo belo!

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[1] AQUINO, In decem libros Ethicorum Aristotelis ad Nicomachum Exposito, cura et studio P. Fr. Raymundi M. Spiazzi OP, Op. Cit., p. 77.  L II. Lectio III, 268. “Et ideo, sicut Plato dixit, oportet eum qui tendit ad virtutem, statim a iuventute aliqualiter manuduci (ut) et gaudeat et tristetur de quibus oportet. Haec est enim recta disciplina iuvenum ut assuescant (ut) et delectentur in bonis operibus et tristentur de malis. Et ideo instructores iuvenum cum bene faciunt applaudunt eis, cum autem male agunt increpant eos”.

[2] Idem, p. 77. L II. Lectio III, 268. “Haec est enim recta disciplina iuvenum ut assuescant (ut) et delectentur in bonis operibus et tristentur de malis. Et ideo instructores iuvenum cum bene faciunt applaudunt eis, cum autem male agunt increpant eos”.

[3] LEWIS, Clive Staples, de Oxford (1898-1963). La abolición del hombre. Reflexiones sobre la educación, Andrés Bello, Barcelona, 2000, p.24.

[4] IZAGUIRRE, José M. y MOROS, Enrique. La acción educativa según la antropología transcendental de Leonardo Polo. Cuadernos de Anuario Filosófico n.197, Servicio de Publicaciones de la U.N, Pamplona,108. In Vazquez, p.155.

[5] Cf. Idem, OSBORNE, L. D. 1936.  p.211.

[6] Cf. PHILIPON, M.M. O.P. Los dones del Espírito Santo. Barcelona: Balmes, 1966. p.91.

[7] Cf. Plinio Corrêa de Oliveira.  Chá, 14-1-1994.

[8] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Cristandade supremacia do espiritual e sacralidade, mensário.  En: Catolicismo. São Paulo, n. 574, 1998, p.12.

[9] SÃO TOMÁS. S. Th. 1ª q.59. a.4. resp.3.

[10] SÃO TOMÁS. Sententia Metaphysicae [81619] L.1,l. 3 n.2.

A “linguagem” da beleza

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São Tomás assim define a beleza: “Id quod visum placet”, aquilo que agrada ver. Agrada pela integridade, pelas proporções, pela unidade na variedade, pela clareza e resplendor que o ser contemplado emite. Daí vem a definição de belo: o esplendor da verdade e do bem.

A unidade na variedade é o fundamento da beleza. A multiplicidade dos aspectos e as semelhanças entre eles tornam mais resplandecente a beleza quando esses predicados se unem e explicitam a beleza. A unidade triunfa quando submete à sua lei elementos na aparência inconciliáveis. Este efeito pode ser percebido na policromia dos vitrais góticos, bem como nas “arquiteturas” sonoras de Bach, de Mozart, de Palestrina, de Hendel e quantos outros, onde a unidade reúne e funde motivos e temas múltiplos num mesmo todo harmonioso. Ali, nada é inútil, tudo concorre e se combina para exprimir uma mesma idéia.

O “placet” de São Tomás é a alegria, o deleite, o comprazimento que o belo nos proporciona ao colocar nossa inteligência em contato com a claridade esplendorosa da perfeição e da ordem postas pelo Criador nas criaturas.

A beleza é acessível, primeiro aos dois sentidos mais nobres, vista e audição. Mas, quase simultaneamente, é captada pela inteligência, pondo o homem inteiro em estado de alegria, satisfação e bem-estar, constantemente renovados. O ouvido se compraz com uma bela música, os olhos se encantam com os belos panoramas, com as belas obras de arte. “Placet” é este encantamento que a beleza sensível produz.

O belo é sumamente deleitável, encanta e arrebata os sentidos e gera o sentimento do querer bem. De modo que o ser humano, composto de alma e corpo, em face de uma beleza arrebatadora, ao deixar-se arrebatar, não está renunciando à sua condição racional. A beleza esplendorosa ilumina a inteligência como um relâmpago, desprende a vontade de tudo que é menos esplendoroso, e arrebata o homem todo para o estado de contemplação.

As coisas belas, pelo que contêm de perfeição inesperada, de visão original e penetrante, de associações singulares, de combinações audaciosas, provocam admiração, pasmo, surpresa e inspiram uma espécie de respeito sagrado, pela revelação que fazem do mundo secreto das formas e das cores. Mas este respeito sagrado é causado sobretudo pelo irresistível poder de fascínio que exerce sobre a inteligência humana. O homem sente-se subjugado pela beleza e reverencia nela o próprio Deus.

Daí que julgando perceber efeitos do que é sagrado em certas formas de beleza, Ruskin chega a falar de “religião da arte” e “religião da beleza”. Mas este não é mais que um modo didático de se exprimir, pois a arte não é uma religião. Se a beleza merece nossas homenagens é porque ela deixa filtrar, à maneira de reflexos, os encantos da Beleza Infinita[1].

[1] Régis Jolivet, Curso de Filosofia, Agir, RJ, 6a- Ed., 1963, pp. 362,365.