A “linguagem” da beleza

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São Tomás assim define a beleza: “Id quod visum placet”, aquilo que agrada ver. Agrada pela integridade, pelas proporções, pela unidade na variedade, pela clareza e resplendor que o ser contemplado emite. Daí vem a definição de belo: o esplendor da verdade e do bem.

A unidade na variedade é o fundamento da beleza. A multiplicidade dos aspectos e as semelhanças entre eles tornam mais resplandecente a beleza quando esses predicados se unem e explicitam a beleza. A unidade triunfa quando submete à sua lei elementos na aparência inconciliáveis. Este efeito pode ser percebido na policromia dos vitrais góticos, bem como nas “arquiteturas” sonoras de Bach, de Mozart, de Palestrina, de Hendel e quantos outros, onde a unidade reúne e funde motivos e temas múltiplos num mesmo todo harmonioso. Ali, nada é inútil, tudo concorre e se combina para exprimir uma mesma idéia.

O “placet” de São Tomás é a alegria, o deleite, o comprazimento que o belo nos proporciona ao colocar nossa inteligência em contato com a claridade esplendorosa da perfeição e da ordem postas pelo Criador nas criaturas.

A beleza é acessível, primeiro aos dois sentidos mais nobres, vista e audição. Mas, quase simultaneamente, é captada pela inteligência, pondo o homem inteiro em estado de alegria, satisfação e bem-estar, constantemente renovados. O ouvido se compraz com uma bela música, os olhos se encantam com os belos panoramas, com as belas obras de arte. “Placet” é este encantamento que a beleza sensível produz.

O belo é sumamente deleitável, encanta e arrebata os sentidos e gera o sentimento do querer bem. De modo que o ser humano, composto de alma e corpo, em face de uma beleza arrebatadora, ao deixar-se arrebatar, não está renunciando à sua condição racional. A beleza esplendorosa ilumina a inteligência como um relâmpago, desprende a vontade de tudo que é menos esplendoroso, e arrebata o homem todo para o estado de contemplação.

As coisas belas, pelo que contêm de perfeição inesperada, de visão original e penetrante, de associações singulares, de combinações audaciosas, provocam admiração, pasmo, surpresa e inspiram uma espécie de respeito sagrado, pela revelação que fazem do mundo secreto das formas e das cores. Mas este respeito sagrado é causado sobretudo pelo irresistível poder de fascínio que exerce sobre a inteligência humana. O homem sente-se subjugado pela beleza e reverencia nela o próprio Deus.

Daí que julgando perceber efeitos do que é sagrado em certas formas de beleza, Ruskin chega a falar de “religião da arte” e “religião da beleza”. Mas este não é mais que um modo didático de se exprimir, pois a arte não é uma religião. Se a beleza merece nossas homenagens é porque ela deixa filtrar, à maneira de reflexos, os encantos da Beleza Infinita[1].

[1] Régis Jolivet, Curso de Filosofia, Agir, RJ, 6a- Ed., 1963, pp. 362,365.